
Como Medida: Uma Coleção
Ao longo de mais de duas décadas, a artista Adalgisa Campos tem realizado uma série de protocolos e convenções de esquadrinhamento do mundo, tendo seu corpo como referencial de dimensão, e que levam o nome de Coleção de Medições. Trata-se de uma série de ações aplicadas a espaços arquitetônicos privados e públicos, que seguem desde recintos expositivos até os locais de residência da artista ao longo dos anos, estendendo-se vez ou outra para objetos, itens estruturais dos espaços e seu próprio corpo, numa variedade de técnicas e suportes vinculados ao vocabulário formal do desenho, do gráfico, do construto.
Por se tratar de um trabalho de longa data, e ainda em processo, o conjunto fora pouquíssimas vezes exibido, muito devido a seu caráter documental, monumental e processual. Com isso, o respectivo projeto almeja a apresentação de algumas peças de grande formato no recinto da Chácara Lane, aparelho integrante do conjunto do Museu da Cidade, assim como a elaboração de uma obra específica em diálogo com a planta arquitetônica do local. A casa, com sua arquitetura eclética do século XIX, símbolo do vocabulário ostentatório da elite cafeeira junto aos missionários presbiterianos ligados ao atual Mackenzie, propicia à artista o estabelecimento de camadas dialógicas entre seu ‘diário’ de medições e a natureza concreta do edifício –que já fora casa, escola, escritórioconsultório, e hoje é aparelho cultural.
Partidária do diálogo, do consenso espacial, mesmo que paradoxal, a obra de Adalgisa estabelece pontos de contato com a produção gráfica de duas artistas pertencentes à Coleção de Arte da Cidade de São Paulo, as quais consideramo spresença imprescindível na materialização desse projeto, também pela instância didática que tal condição o ativa. São elas: Regina Silveira, referência incontornável para a produção e trajetória de Adalgisa, tanto no aspecto formal quanto conceitual, mas também Gerty Saruê, que orbita como grande sombra no que tange as soluções concretas de representação do espaço urbano e as relações imbrincadas entre os projetos modernos de cidade e as percepções subjetivas de seus habitantesusuários.
Portanto, o projeto não trata apenas de uma individual, com certo espírito de compilação da trajetória, mas também um grande croqui, uma materialização em escala 1:1 sobre os processos de elaboração da memória em relação ao espaço e seus referenciais formais.
Talita Trizoli
2023